As recentes discussões em torno do projeto de reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados colocam em evidência um ponto crucial que não se esgota na aprovação do Senado. O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) carrega consigo pelo menos 46 pontos que necessitarão de regulamentação por meio de lei complementar. Essa lacuna, identificada em um levantamento do escritório Mattos Filho, tem gerado debates entre especialistas em direito tributário.
Renata Cubas, uma das autoras do estudo, destaca a complexidade dessa situação. Enquanto a Constituição deve estabelecer princípios gerais do sistema tributário, aspectos mais específicos requerem normas infraconstitucionais. No entanto, a prática demonstra que a falta de clareza constitucional pode gerar insegurança jurídica, afastando-se da intenção inicial.
Por outro lado, especialistas como Alexandre Tortato, consultor tributário da Fiep, veem a necessidade de regulamentação como algo natural. A Constituição deve estabelecer as bases do sistema, delegando aspectos operacionais para leis complementares. Nesse contexto, a PEC busca uma “não cumulatividade plena,” deixando questões operacionais para a regulamentação.
Entre os pontos que aguardam regulamentação pós-PEC estão as alíquotas e regras para revisão anual do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o critério de distribuição dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) e o funcionamento dos regimes específicos de tributação.
Destaca-se que o governo prevê que as alíquotas-padrão dos novos impostos sobre consumo devem variar entre 25,45% e 27%, mas estimativas mais críticas apontam para 33,5%, considerando os benefícios tributários propostos na Câmara.
Além disso, quase metade das emendas apresentadas por senadores sugerem aumentos na alíquota geral do novo sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual. Essa divergência ressalta a complexidade da regulamentação pós-PEC.
A regulamentação do novo sistema tributário brasileiro sobre consumo deve ser dividida em até quatro proposições, a serem entregues no início de 2024, como anunciado pelo secretário extraordinário para a reforma tributária, Bernard Appy.
Outros aspectos que dependerão de regulamentação incluem a definição do “imposto do pecado,” o rol de itens sujeitos ao imposto seletivo, os produtos isentos dos novos tributos (cesta básica), e o modelo de devolução de imposto, também conhecido como “cashback.”
A preocupação com a falta de clareza e detalhamento na PEC é legítima. A regulamentação pode gerar novos tributos com potencial para insegurança jurídica e litígios. No entanto, especialistas apontam que a maleabilidade tributária já existe em algumas áreas, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Também merece destaque a necessidade de detalhamento da integração das receitas estaduais para o funcionamento do Conselho Federativo, órgão gestor do novo tributo subnacional, e a forma de devolução dos atuais créditos de ICMS.
O relator da PEC no Senado, Eduardo Braga, apresentará seu parecer em breve. Espera-se que o Senado desempenhe um papel fundamental na regulamentação dos aspectos não cobertos pela PEC, buscando equilibrar a clareza necessária e a complexidade do sistema tributário brasileiro.