De acordo com dados inéditos de uma pesquisa realizada no ano passado, que trouxe à tona a existência de 33,1 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave, a fome afeta uma em cada cinco famílias chefiadas por pessoas autodeclaradas pretas.
Esses dados destacam a relação entre fome, discriminação racial e de gênero no país.
O estudo revelou que 20,6% das famílias negras no Brasil passam fome, quase o dobro do índice verificado em lares comandados por pessoas brancas, onde a fome atinge 10,6%.
Quando se considera o recorte de gênero, a situação é ainda mais grave.
Entre as famílias chefiadas por mulheres negras, 22% sofrem com a fome, em comparação com 13,5% das famílias comandadas por mulheres brancas.
Esses números fazem parte do segundo levantamento sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia, realizado pelo Instituto Vox Populi entre novembro de 2021 e abril de 2022, em parceria com a rede Penssan e organizações da sociedade civil.
Os dados mostram que mesmo em famílias comandadas por mulheres negras com maior nível de escolaridade, ou seja, com mais de oito anos de estudos, a fome atinge 15,9% dos lares, quase o dobro do percentual nas famílias comandadas por mulheres brancas (8,3%).
Além disso, a falta grave de alimentos é maior em lares chefiados por mulheres negras que têm crianças menores de 10 anos, afetando 23,8% dos casos.
A coordenadora da Penssan, professora Sandra Chaves, destaca que a falta de alimentos e a fome são mais prevalentes entre as famílias chefiadas por pessoas negras, especialmente mulheres negras.
Ela ressalta a necessidade urgente de reconhecer a interseção entre o racismo e o sexismo na estrutura da sociedade brasileira, a fim de implementar políticas públicas que promovam a equidade e o amplo acesso à alimentação.
Esses novos dados da pesquisa da Rede Penssan levantam diversas reflexões, sendo importante destacar que, mesmo quando têm condições socioeconômicas semelhantes a outros grupos, as mulheres negras apresentam piores índices de segurança alimentar.
Por exemplo, a maior escolaridade não foi suficiente para proteger as famílias chefiadas por mulheres negras da falta ou da deterioração da qualidade dos alimentos.
É fundamental enfrentar o racismo estrutural e o sexismo que aprofundam as desigualdades, tornando a população negra, especialmente as mulheres, ainda mais vulnerável economicamente.
A pandemia da Covid-19 evidenciou de forma contundente essas questões, reforçando a necessidade de reflexão sobre o acesso à educação e ao trabalho para as populações negras, bem como os obstáculos enfrentados pelas mulheres negras no dia a dia para alcançarem a mobilidade social e sustentarem suas famílias.
A pesquisa, realizada em 12.745 domicílios em diversas regiões do Brasil, contou com o apoio de instituições como Ação da Cidadania, ActionAid, Ford Foundation, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga, Oxfam Brasil e Sesc São Paulo.
Os resultados revelam a vulnerabilidade das famílias brasileiras chefiadas por mulheres negras em relação à insegurança alimentar, mesmo levando em consideração aspectos como escolaridade e situação de emprego/trabalho.
Diante desses dados alarmantes, é essencial reconhecer as disparidades raciais e de gênero e promover políticas públicas que garantam o acesso igualitário e irrestrito à alimentação para todos os brasileiros.