As recentes decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos em relação à liberdade de expressão têm preocupado o Ministério da Justiça do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em sua busca pela extradição do influenciador Allan dos Santos. O influenciador, considerado foragido desde que teve sua prisão preventiva decretada no inquérito das fake news em 2021, é alvo de investigações que tramitam no Supremo Tribunal Federal sobre a suposta existência de uma milícia digital para atacar a democracia e as instituições.
O governo brasileiro acionou os Estados Unidos, por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI), e enviou o pedido à Interpol para inclusão de Allan dos Santos na difusão vermelha, que normalmente ocorre de maneira célere. No entanto, desta vez, o processo não avançou conforme o esperado, o que tem causado preocupação no Ministério da Justiça, como revelou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo.
Em janeiro deste ano, a pasta de Flávio Dino buscou o governo dos Estados Unidos e a Interpol, em Lyon (França), com o objetivo de acelerar o processo de extradição. Desde então, os trâmites não têm evoluído, e a percepção no ministério é de que um desfecho exitoso é improvável. Isso se deve, em grande parte, à maneira como os Estados Unidos abordam juridicamente o tema da liberdade de expressão, que é bastante distinta da abordagem brasileira, considerada mais restritiva.
Dois casos julgados pela Suprema Corte dos EUA na última semana foram vistos por representantes do Ministério da Justiça como emblemáticos das dificuldades enfrentadas para conseguir a extradição de Allan dos Santos. Na terça-feira (27), a Suprema Corte reverteu a condenação de Billy Counterman, um homem do estado do Colorado que enviou milhares de mensagens pelo Facebook, incluindo ameaças de morte a uma cantora com quem nunca teve contato pessoalmente. A Corte considerou que o réu estaria protegido pela Primeira Emenda da Constituição, que garante a liberdade de expressão.
Outro caso envolveu Lorie Smith, uma designer evangélica do mesmo estado, que foi beneficiada por uma interpretação similar da Suprema Corte. A Corte determinou que o direito à liberdade de expressão permite que ela se recuse a criar produtos para casais gays.
No Brasil, nos últimos anos, durante a gestão de Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal e outras instâncias da Justiça têm atuado no sentido de afirmar que a liberdade de expressão não é absoluta e não pode ser usada para cometer crimes. Essa tensão entre os poderes resultou na declaração de inelegibilidade do ex-presidente. Enquanto Bolsonaro e seus aliados argumentam que ele estava exercendo a liberdade de expressão ao fazer afirmações falsas e distorcidas sobre o processo eleitoral e desacreditar ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a maioria dos ministros do TSE considerou que ele cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
O Ministro da Justiça, Flávio Dino, também tem reforçado o argumento de que a liberdade de expressão não pode ser absoluta em seu embate com as grandes empresas de tecnologia que atuam no Brasil, especialmente o Twitter. Ele tem pressionado essas empresas a criar mais mecanismos para prevenir a disseminação de conteúdo que possa incentivar atos de violência e tem articulado para a implementação de uma regulamentação, como a prevista no Projeto de Lei das Fake News.
De acordo com um levantamento do Datafolha divulgado recentemente, a opinião dos brasileiros sobre o tema é dividida. 61% acreditam que não é possível postar qualquer coisa nas redes sociais, enquanto 38% acreditam que essa deveria ser a regra.